sexta-feira, 12 de junho de 2009

Aleixo

Outra vez Aleixo sim, as sua observações, tão antigas, mas tão actuais!......


UMA CORRENTE ALGARVIA
No Algarve, na primeira metade do século XX, irrompe uma poderosa corrente do cancioneiro popular português, a qual recebe o nome do poeta semi-analfabeto que lhe abre as comportas: António Aleixo. Quem apontou essa corrente foram o artista plástico Tóssan e o professor de liceu Joaquim Magalhães. Aleixo diverte-se com a ocorrência:

Não há nenhum milionário
que seja feliz como eu:
tenho como secretário
um professor do liceu.

Não pára de rir das circunstâncias em que vive e até da sua própria aparência.

E quanto mais ri mais certeira vai sendo a pontaria de Aleixo:

Sei que pareço um ladrão...

mas há muitos que eu conheço que,

sem parecer o que são,

são aquilo que eu pareço.

Brinca até com a sua profissão de “cauteleiro”:

De vender a sorte grande,
confesso, não tenho pena;
que a roda ande ou desande
eu tenho sempre a pequena.

Ribanceira abaixo, aí vem a corrente de Aleixo, cachão contra as injustiças (lembremo-nos que estamos em plena ditadura salazarista, em que impera a Censura):


És feliz, vives na alta
e eu de ratos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
o pão que a tantos faz falta.

Insiste:

Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem comer,
se disser que tem fome,
comete um crime, sem querer.

Esta quadra abrange certamente a dor que o poeta sente por não poder atender às necessidades de uma filha sua que está a morrer, tuberculosa. O poeta conclui:

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

Tentam aliciá-lo a aceitar mansamente o sofrimento.

O poeta comenta:

P'ra a mentira ser segura e atingir profundidade,

tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade.

Mas logo reage:

Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a razão, mesmo vencida
não deixa de ser Razão.

Reforça:

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do Mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.

Ri:

Uma mosca sem valor
poisa c’o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.

Aleixo dá uma guinada, faz o balanço da sua vida:

Fui polícia, fui soldado,
estive fora da nação;
vendo jogo, guardo gado,
só me falta ser ladrão.

Volta a apontar o dedo às injustiças:

Co'o mundo pouco te importas porque julgas ver direito.

Como há-de ver coisas tortas quem só vê o seu proveito?


À guerra não ligues meia,

porque alguns grandes da terra,

vendo a guerra em terra alheia,

não querem que acabe a guerra.


Vós que lá do vosso império prometeis um mundo novo,

calai-vos, que pode o povo q'rer um mundo novo a sério.



Aleixo compreende até o motivo que lhe permite ver sempre ao longe:

Não é só na grande terra
que os poetas cantam bem:
os rouxinóis são da serra
e cantam como ninguém

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além
do que alcança a nossa vista!

Torrente algarvia!

Melhor dizendo: lusitana!

Nada consegue detê-la.

Começou a fluir em cachão quando a língua portuguesa,

de norte para sul, brotou na ponta ocidental da Península Ibérica.

Um até sempre.

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