sábado, 22 de setembro de 2012

Sangue, suor e lágrimas


O País está em choque com as medidas de austeridade decretadas pelo Governo. A maior parte das pessoas acredita que já não tem margem para encaixar os sacrifícios que lhe são exigidos e que a actividade económica vai abrandar para níveis muito preocupantes.

A perplexidade é ainda maior depois de ouvir o ministro das Finanças dizer que a ‘troika' autorizou uma flexibilização das metas, que Portugal tem mais um ano para fazer o ajustamento e que os 4,5% de défice previstos para este ano, só serão exigidos no final de 2013, ficando para 2014 um objectivo de 2,5%.

Ora, só duas ordens de razões parecem explicar a exigência de tamanhos sacrifícios. Ou a derrapagem deste ano é ainda maior do que tem sido dito, ou o Governo quer apertar as medidas do próximo ano para poder estabilizar a economia em 2014 e dar alguma folga aos portugueses para as eleições legislativas de 2015. Nenhuma das duas se justifica, porque o que o País corre o risco de cumprir a máxima popular que diz que para não morrer da doença, morre-se da cura. Com as medidas agora anunciadas, o Governo vai ter de enfrentar muita contestação política e social. Os sindicatos vão, naturalmente, procurar cavalgar o descontentamento popular com acções de rua. Os partidos da oposição preparam-se para votar contra o Orçamento do Estado para 2013. E até figuras da área política do Governo criticam duramente a estratégia adoptada.

Este divórcio em relação ao Governo surge num momento difícil, uma vez que o País está a atravessar uma das piores crises, se não a pior, da sua História. Existe a convicção que se conseguirmos chegar a meados de 2013 com estabilidade e sem conflitos sociais, teremos dobrado o ‘cabo das Tormentas' desta situação, podendo depois enveredar por um caminho menos turbulento até ao objectivo da estabilização da economia. Mas também existe a certeza que uma hipotética instabilidade, social e/ou política, poderá atirar Portugal para uma situação próxima da Grécia.

Há quem diga que devíamos sair do euro e enfrentar a tempestade com os nossos próprios meios, porque recuperaríamos mais rapidamente a seguir. O pior, seriam as consequências que daí adviriam. No caso português, Roger Bootle um economista britânico que, segundo o Público, analisou a questão, afirma que seria necessário desvalorizar a nova moeda (Escudo) em 40% para recuperar a competitividade perdida. Uma medida que implicaria que as dívidas ficariam nos níveis actuais, mas os rendimentos baixariam 40%.

Assim, tudo indica que estamos condenados a seguir o caminho que estávamos a traçar, mas que o Governo tem de ser mais eficiente na redução da despesa pública. Isso obrigará a tomar medidas impopulares em alguns sectores da sociedade, designadamente no sector público, mas que se impõem para salvar o País. Governar exige coragem e capacidade para enfrentar as dificuldades, mesmo que isso implique combater ‘lobbies' e ser inflexível na limpeza dos vícios instalados. Portugal e os portugueses merecem que o Governo os respeite e não sacrifique o todo em benefício de algumas partes.

Quanto à oposição, designadamente o PS, deve criticar o Governo por estar a asfixiar o País, mas não pode sacudir a água do capote em relação às responsabilidades pela situação em que nos encontramos. Vale a pena recordar que, no final de 2005, a dívida pública era de 94,8 mil milhões de euros, ou seja 63,6% do PIB, em 2010 já ia em 161,1 mil milhões, isto é 93,3% do PIB e em 2011 atingiu os 184,3 mil milhões, ou seja 107,8% do PIB. A dívida pública duplicou de valor em seis anos, mas não se construiu o novo aeroporto, não se construiu o TGV e mesmo as auto-estradas foram objecto de parcerias público-privadas que diferiram o pagamento por parte do Estado para o futuro. É preciso perceber para onde foi então o dinheiro?

Conclui-se, por isso, que os políticos têm andado mal. Uns por gastarem mais do que deviam, atirando dinheiro para cima dos problemas, outros por aplicarem fórmulas cegas que ignoram a realidade do País. Portugal precisa de estabilidade política e social para ultrapassar a grave crise em que se encontra. Os partidos do arco da governação não estão, como se viu, isentos de culpas. O que lhes compete, então, é evitar rupturas, que podem empurrar o País para uma situação insustentável, e buscar consensos. Churchill quando assumiu o poder em Inglaterra, no início da II Guerra Mundial, disse aos britânicos que não lhes prometia nada a não ser "sangue, suor e lágrimas". Nós já demonstrámos que fazemos sacrifícios que se justifiquem e temos a vantagem de não estar em guerra, mas só atingiremos os objectivos se aqueles que nos governam estiverem em sintonia e disserem toda, mas toda, a verdade aos portugueses.

13/09/12 00:04

In: Económico - Francisco Ferreira da Silva, Subdirector

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