O fracasso da "revolução
bolivariana" é uma boa forma de recordar que o socialismo utópico do
século XXI é tão nefasto quanto o do século XX
O regime nascido da revolução
bolivariana faliu. Algum dia tinha de acontecer. Até porque, como se costuma
dizer, a história é repetição. Na Venezuela repetiu-se mesmo. Assim, o ano de
2014 marca o fim das ilusões. As dos venezuelanos, que durante mais de uma
década se deixaram governar pelo populismo de Chávez. E as dos socialistas
europeus, que viram no regime venezuelano um oásis de resistência contra a
economia de mercado. Com fome nas ruas, com escassez de bens de primeira
necessidade nas mercearias, com falta de medicamentos e com falhas sucessivas
na rede eléctrica, o povo saiu à rua. E disse basta.
Associar a falência do regime
venezuelano à substituição de Hugo Chávez por Nicolás Maduro, nomeadamente pela
falta de carisma do segundo, é um erro grave. Subestima a degradação social e
política dos últimos anos. É que, embora tenha morrido com o estatuto de herói
popular, foi Chávez quem trilhou o caminho para a ruína. Atropelou as regras
institucionais do regime, tornando-o dependente na sua pessoa. Estrangulou a
iniciativa privada. E apostou cegamente num modelo de investimento público
insustentável, suspenso numa produção petrolífera em declínio. Quando chegou a
sua vez, Maduro deu continuidade ao delírio. E fê-lo com uma obstinação
invejável. Mal assumiu a presidência, em substituição de Chávez, Maduro ordenou
ao banco central a impressão de mais dinheiro, para com ele financiar novos
programas de investimento público. Entre outros, o da atribuição de um tablet a cada aluno venezuelano. A
inflação atingiu os 56%.
Entretanto, acabou com a liberdade
política, impondo uma forma de ditadura (suspensão da Constituição): o
parlamento concedeu-lhe poderes executivos especiais para alterar leis sem
fiscalização política. Acabou com a (pouca) liberdade económica: promulgou uma
lei que define os preços dos produtos e limita o lucro das empresas, prendendo
os comerciantes que resistissem. E acabou com a liberdade individual, através
de uma crescente repressão policial e militar, que provocou dezenas de mortes, para
assim travar aqueles que "querem destruir a nação".
É claro que, perante este descalabro
político e social na Venezuela, podemos fechar os olhos. Ou acreditar que a
resistência nas ruas não é de origem popular, mas sim de "grupos de cariz
neofascista".
Ou achar que essas manifestações são
operações "apoiadas pelo imperialismo norte-americano". Ou ainda
alegar que o governo venezuelano está a ser alvo de uma "guerra económica
que visa destabilizar o país". No fundo, podemos subscrever o incrível
comunicado do PCP (14/02/2014) e, através dele, negar a realidade. Mas a
realidade é o que é. E a história, que se repete, já mostrou que negá-la não a
altera.
A distante Venezuela está a ferro e
fogo. E isso interessa-nos a nós, portugueses? Sim, interessa. Num momento em
que tanto se discutem alternativas políticas, em Portugal e na Europa, o
fracasso da "revolução bolivariana" na Venezuela é uma boa forma de
recordar que o socialismo utópico do século xxi
é tão nefasto para as populações quanto o do século xx. Confiar que é nessa doutrina ideológica, partilhada em
Portugal por PCP e BE, que está o futuro não é, portanto, mais do que
condenar-nos ao passado.
Jornal I 03 Março 2014
Por Alexandre
Homem Cristo
publicado em 3 Mar 2014 - 05:00
publicado em 3 Mar 2014 - 05:00
Investigador, escreve à segunda-feira
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